Jack Daniel´s e Nearis Green
- Nino Albano
- 3 de mai. de 2020
- 4 min de leitura
Todos os anos, cerca de 275.000 pessoas passeiam pela a destilaria de Jack Daniel´s e ouvem a história de que em algum momento na década de 1850, quando Mr. Daniel era apenas um garoto, ele foi trabalhar para um pastor local que tinha uma pequena mercearia e destilaria. Com o passar do tempo e reconhecendo o potencial do menino, Dan, o pastor, ensinou a Jack os segredos da destilaria. E o resto da história, você já conhece.
Mas durante as comemorações do 150º aniversário da empresa, uma nova versão bem mais complicada dessa história foi revelada ao público. Nela, Mr. Jack, não teria aprendido a arte da destilação com o pastor Dan, mas sim com um de seus escravos, chamado Nearis Green.

Sempre houve rumores sobre essa versão, porem eles eram velados e não deixavam os arredores da pequena cidade de Lynchburg, no Tennessee, onde a destilaria nasceu e se mantem até hoje. Assim como tantos outros mistérios que existem sobre Mr, Jack e a destilaria, a história de Nearis Green, não pode ser provada com exatidão, mas não seria nada incomum que isso acontecesse. Sendo assim, vamos à história.
O destilado era um grande provedor de fortunas em todos os Estados Unidos, e suas tradição se iniciou pelas mãos de colonos alemães, escoceses e irlandeses, que conheciam as receitas mas não tinham mão de obra necessária para produzir a bebida em quantidades adequadas à demanda. Por isso, a utilização de força de trabalho escrava era uma saída excelente para maximizar os lucros.
Esses escravos acabavam exercendo um papel crucial na fabricação, passando inclusive a alterar as receitas, e em muitos casos a beneficiar a bebida. Porém, os créditos pelas melhorias, eram sempre atribuídos aos donos das destilarias que por vezes até desconheciam as receitas, mas jamais revelariam que eram os escravos que a produziam.
De acordo com uma biografia 1967, "Jack Daniel´s Legacyl", de Ben A. Green. O pastor Dan pediu que seus escravos ensinassem tudo o que sabia para o pequeno Jack, e Nearis era o melhor fabricante que havia entre eles. A escravidão terminou com a ratificação da 13ª Emenda em 1865, e Daniel abriu a destilaria um ano depois, empregando dois dos filhos de Green.
Na foto acima, tirada no final do século 19, um homem negro, possivelmente, um desses filhos, senta-se à direita de Mr. Jack, um nítido contraste com fotos contemporâneas de outras destilarias, onde os empregados negros jamais apareciam, porém, naquele tempo não existia uma grande preocupação com a história das empresas, e ao longo dos anos a memórias de Green e de seus filhos se desvaneceu.
"Eu não acho que isso foi uma decisão consciente". Disse Phil Epps, diretor de marca Jack Daniel na Brown-Forman, referindo-se a não mencionarem Green em suas histórias. Independente dos motivos que levaram esse pedaço da história às sombras, ela coloca as destilarias no centro de um problema maior que os historiadores começaram a tratar há apenas alguns poucos anos, que são os laços profundos entre escravidão e uísque.
Estudos sobre George Washington e a escravidão, documentam como ele se baseou em escravos para montar sua destilaria de whiskey de centeio, que se tornou uma das maiores na Costa Leste. "Eles foram fundamentais para a criação e disseminação do whiskey na cultura americana”, disse Steve Bashore, que administra uma réplica da destilaria de Washington. "Nos registros, os escravos são realmente citados como destiladores".
No final do século 18, as regiões recém-assentados que se tornariam Tennessee e Kentucky, tinham políticas scravagistas, menos agressiva que regiões mais ao sul do país e muitos fazendeiros bem-sucedidos tiveram pelo menos alguns escravos, associados com a produção de bebidas alcoólicas. Alguns dos primeiros destiladores do Kentucky, como Elijah Craig, Henry McKenna e Jacob Spears, usaram escravos para executar suas operações.

Relatos mostram que anúncios para venda de escravos, traziam referências do tipo “excelente destilador de whiskey”. E se Green, ensinou Daniel a destilar, ele provavelmente teria desenvolvido suas habilidades em tempos anteriores, pois os escravos americanos tinham suas próprias tradições de produção bebidas alcoólicas a base de milho e frutas da África Ocidental, inclusive, muitos africanos produziram álcool ilicitamente durante a escravidão.
Outro aspecto da tradição de Jack Daniel que está sendo reavaliado é sua filtragem através de vários níveis de carvão vegetal para remoção de impurezas, o que lhe confere o sabor especial, e que é utilizado por Jack Daniel's. A lenda diz que o processo foi inventado em 1825 por um morador do Tennessee chamado Alfred Eaton, porém, é provável que a prática também tenha sido criada por escravos que tinham apenas o carvão para filtrar o álcool produzido ilicitamente.
Mike Veach, um historiador do whisky, disse que a influência dos destiladores africanos escravizados pode explicar um mistério no desenvolvimento de uísque americano, que carrega traços evidentes do processo europeu, mas algumas características peculiares não podem ser atribuídas a nenhuma fonte anterior de conhecimento. Isso colocaria os escravos na posição de “criadores do whiskey americano”.




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